quarta-feira, 17 de maio de 2017

Comunicação não é placebo

Na medicina, placebo é o nome dado a uma ação que não tem efeito direto sobre as causas de determinada doença. Seria a simulação de um tratamento ou a aplicação de um medicamento inerte. Os efeitos terapêuticos seriam decorrentes da crença do paciente de que está sendo tratado.

A falta de eficácia e objetividade de determinados planos de comunicação corporativa, ao não tratarem de forma adequada as questões essenciais que precisam ser abordadas, é preocupante. Priorizam ações pasteurizadas e superficiais, viciadas pelos encantos visuais das novas tecnologias.

Não resultam em soluções para o processo, que visa reações comportamentais alinhadas ao desempenho, mas causam uma sensação de conforto imediato para quem a desenvolve.

Ninguém quer adotar conscientemente medidas paliativas em comunicação, muito menos os gestores especialistas na área. Acredito que o principal fator que explica essa abordagem é o impacto potencial que os verdadeiros remédios podem provocar no 'maior gargalo' à circulação correta, dinâmica e vital da informação para o sucesso da organização: a liderança.

Uma ação séria de comunicação é complexa e leva em conta três pilares de atuação: uma liderança consciente de seu papel enquanto gestores de pessoas, uma estratégia de comunicação customizada para diferentes públicos internos e um nível de transparência que crie credibilidade, ao médio e longo prazos, assegurando a confiança das pessoas na eficiência da comunicação.

Se por um lado essa abordagem 'dói' na extensa agenda dos executivos, um tratamento customizado e transparente, real e honesto, acaba provocando resistência e dificuldades orçamentárias para sua viabilização. A 'cura' não é fácil, porque envolve uma mudança cultural de longo prazo, enquanto os líderes são cobrados por resultados imediatos.

Quando os gestores de comunicação não querem criar um conflito junto aos seus pares e liderados, campanhas plásticas e peças, que usam canais modernos e tecnológicos, têm efeitos que agradam a todos, mas com duvidoso efeito real sobre as causas dos problemas que a organização enfrenta.

Trata-se da adoção do placebo, bonito na forma e doce no conteúdo. Esse falso remédio muitas vezes gera resultados aparentemente positivos na percepção de todos, mas só provocando efeitos supérfluos de curto prazo. O novo verniz adotado na comunicação também pode desviar as emoções negativas, provocando uma sensação momentânea de bem-estar.  

Quando, por exemplo, a comunicação 'placebo' visa mudar a percepção de sofrimento ou sacrifício, aliviando as tensões e reduzindo a insatisfação, sua adoção parece dar mais fôlego para sobreviver às tormentas imediatas e nos projetar para desenvolver outras pílulas na batalha seguinte.

Ledo engano. Ao perceberem que a comunicação foi utilizada como 'anestesia', sem abordar os verdadeiros fatos e causas, os liderados passam, gradualmente, a por em dúvida a finalidade do processo, afetando sua credibilidade. E uma liderança com credibilidade abalada é uma liderança infrutífera.

Sem ignorar os aspectos funcionais do placebo para o desenvolvimento da terapia comunicacional, vale clamar aos especialistas retomar o olhar ao paciente do ponto de vista da importância da gestão de conteúdos específicos (fatos e dados customizados), processos e papéis que possam garantir mudanças consistentes e resultados superiores de longo prazo.

A melhor comunicação corporativa pressupõe compreensão e se faz observando o outro por inteiro, ouvindo e entendendo suas necessidades e emoções, estimulando as pessoas a decidir com autonomia a partir das próprias escolhas. A comunicação bem-sucedida nasce do princípio de que o outro também ganha com aquilo que ganhamos. Gerenciar uma organização assim é mais difícil, mas o sucesso sólido depende dessa crença manifestada pelos líderes do processo.


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"Uma visão de mundo aberta, libertária e responsável"

Em meados da década de 80, as pessoas lotavam as ruas pedindo por eleições diretas e a volta da democracia. A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada e Tancredo Neves acaba sendo eleito de forma indireta. A esperança de um período democrático não se perdeu com a morte do novo presidente civil, no começo de 1985.

Na onda de liberdade e sensação de reconstrução da nação, um grupo de jovens estudantes do Ensino Médio (na época, Colégio) de uma tradicional escola particular de Santo André começou a discutir a possibilidade de criar um Centro Cívico Estudantil (CCE).

Uma doce lembrança, sem dúvida, da qual fiz parte.

De forma até surpreendente, mais de 40% dos alunos de todos os períodos votaram em duas chapas que concorreram à diretoria do recém criado CCE.  De manhã, 62% dos estudantes participaram, um número bastante significativo para a primeira iniciativa como aquela na escola.

A chapa Grêmio Singular foi eleita com 66,8% dos votos e colocou na direção 10 alunos de várias salas e períodos diferentes. Estive envolvido diretamente na formatação e publicação do boletim informativo “CHUP Chama”, cujo título e conteúdo tinham um caráter evidentemente provocativo.

Os textos convidavam os colegas a “mostrar as opiniões e posições” em tempos de censura e ditadura. As duas únicas edições publicadas em outubro e dezembro de 1985 foram viabilizadas com anúncios, uma outra iniciativa nova para aqueles jovens de 15 a 17 anos. A edição tinha um belo tratamento visual, diagramada profissionalmente, e contou com as ilustrações do talentoso Osvaldo Murakami.

Embora críticos com a própria instituição, o Grêmio soube envolver a direção da escola que apoiou a evolução das ações. “O Brasil passa por transformações que envolvem todas as camadas e segmentos da sociedade”, destacava em artigo na capa da publicação o professor Egidio Blumetti.

“Vivemos um momento muito importante da nossa história, momento este almejado por todos e durante muito tempo”, analisou. “Parabéns aos alunos do Centro Cívico Singular que, polarizando os interesses do corpo discente, com certeza, saberão levar adiante um trabalho sério, que atenda às aspirações de todos aqueles envolvidos no processo educacional, tornando-o mais produtivo, forjando assim o indivíduo como ser humano e cidadão consciente de sua responsabilidade com a comunidade”.

Nosso maior presente, recebemos após a publicação da primeira edição. Foi deixado na secretaria da escola, endereçada a nós, um papel dobrado com a mensagem do saudoso professor Alexandre Takara, publicada na capa da segunda edição e que, na minha opinião, resumiu tudo que representava a iniciativa daqueles alunos:

“Meus cumprimentos aos alunos do Singular pela iniciativa de fundar o CCE – Centro Cívico Estudantil – e de lançar o jornal CHUP Chama. Estas iniciativas revelam a sintonia dos jovens com o espírito da época – a renovação através do questionamento. A crítica deve ser a marca registrada de todos cidadãos conscientes.
 
Cumprimentos à direção do Singular por desenvolver nos alunos esta postura crítica. Mede-se o sucesso do empreendimento não apenas pelo número de alunos matriculados, mas também e, sobretudo, pela visão de mundo aberta, libertária e responsável que os alunos adquirem e desenvolvem sob a batuta dos mestres. É difícil dirigir uma escola assim, mas o sucesso pedagógico passa necessariamente por aí.”

A maioria dos alunos envolvidos estava concluindo o Ensino Médio. Formaram-se, daqueles que ainda tenho contato, jornalistas, advogados, professores e psicólogos. A iniciativa não foi mais para frente com esse grupo, mas marcou a conduta deles para sempre, não tenho dúvida.

Depois de 30 anos e olhando aquelas oito páginas que registraram o momento da escola e do país, percebo a ousadia e atualidade da ação. Fico feliz por ter feito parte daquilo tudo. A experiência definiu minha personalidade e contribuiu muito na construção da minha carreira.

CCE Singular – 1985
Diretoria:
Carlos M. Assato (3C6)
Cecília Alarsa (1C3)
Eduardo Ritschel (3C3)
Eduardo Tadeu de Souza Assis (3C3)
Glaucia F. Pereira (3C4)
Hitoshi Tsukamoto (1C25)
Marcelino Francisco de Oliveira (2C5)
Marcelo Amorim Menezes (2C5)
Marco José Maida (3C3)
Renato de Oliveira (3C6)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A complexidade da mudança organizacional

Reprodução de entrevista publicada no site Nós da Comunicação.

Eduardo Ritschel, jornalista e administrador de empresas, 24 anos de carreira, com atuações nas áreas de Comunicação Social e Recursos Humanos da BASF e na gerência de Comunicação Corporativa da Nestlé Brasil, acredita que a eficiência em conduzir o processo de gestão de mudança está em identificar os pontos de vulnerabilidade, definir claramente as etapas e gerenciar cada fase, medindo, por meio de pesquisas, o nível de adesão e compreensão dos envolvidos. "É uma dinâmica estratégica, que exige dedicação e esforço da liderança, mas sem a qual não há garantia do sucesso", explica.

Ritschel já participou de projetos de mudança na CSN, Nycomed e Mapfre Seguros. Há 13 anos, está à frente da Innews Inteligence. Para ele, a reflexão sobre o papel da comunicação na gestão de mudança ganhou impulso porque, hoje, há um consenso entre os executivos de que a falta de participação das pessoas pode levar ao fracasso dos processos de mudança.

Esta entrevista compõe a matéria 'Mudar para sobreviver', reportagem sobre gestão de mudança organizacional a ser publicada, em agosto, na nona edição da revista 'Comunicação 360º', que abordará o tema 'Complexidade: da visão sistêmica à construção do conhecimento'.

Nós da Comunicação - Quais são os maiores desafios para uma equipe integrada, em especial dos profissionais da área de comunicação, ao elaborar e conduzir uma mudança organizacional?
Eduardo Ritschel - Compreender a complexidade de um processo de mudança organizacional, os papéis envolvidos, o ambiente no qual a mudança se processa e o comportamento esperado de cada ator para atingir o resultado são desafios superados com muita dificuldade pelas organizações. Vejo que, na maioria das vezes, as empresas optam por uma solução de comunicação padronizada e uniforme, em uma única mão de direção, para os vários públicos envolvidos, sem considerar necessidades específicas.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Somos espelho, vendo o leito secar

As represas secas formam a parte visível do colapso moral e ético que vivemos, uma metáfora dolorosa das nossas opções desastrosas.

Deitados em berço esplêndido, acreditamos que o malfeito justificaria os resultados esperados – pequenas gotas retiradas do oceano de oportunidades.

Um delito aqui, outro ali, a esperteza institucionalizada e os meus interesses antes dos interesses coletivos nos colocaram nadando no raso da educação, saúde, segurança e desenvolvimento.

Enquanto isso, sempre acreditamos que a chuva viria para lavar a nossa alma. Ela não veio. Somos uma nação pobre de espírito, dividida, sem líderes. Tenho fome de ética, sede de cidadania. E teremos que fazer uma opção que o ambiente nos impõe, não mais aquela que poderia ser planejada. Somos todos culpados, eu e você, vendo o leito secar. Somos espelho.


NA MORTE DOS RIOS
João Cabral de Melo Neto

Desde que no Alto Sertão um rio seca,
a vegetação em volta, embora unhas,
embora sabres, intratável e agressiva,
faz alto à beira daquele leito tumba.
Faz alto à agressão nata: jamais ocupa
o rio de ossos areia, de areia múmia.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

45



tenho um encontro marcado
aos 45

meu relógio fisiológico
nos vemos aos 45

sou tão fingido
como um encontro
marcado aos 45

para rever, intenso
um segundo momento

não se esqueça
tudo passa tão rápido
para um bom encontro marcado

aos 45
cheio de compromissos
vivos, eu espero
mas tranquilos

deixe uma mensagem
um aviso, aos 45

disfarçado
como a própria roupa do corpo

lembrei de todos
neste mundo tão atípico
de verdades pontuais
de confusões casuais

apático
pulso involuntário
minto

como um desejo
que passa pelo relógio
marcado aos 45

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Engraçado

gira engraçado
o homem sapato furado

divertido
claro alvo como tiro

ele é meio tapado

vira chão deitado
toma bala perdida

gira engraçado
o homem frio assustado

vê parede furada
vira vala comum

gira engraçado
o transeunte estrume
morto pelo retrato falado

gira engraçada
a dor do passado

agora não importa
o sapato furado engraçado

só importa
o espaço tomado
pelo homem
apagado
da alma penada
da cidade que gira

terça-feira, 12 de abril de 2011

Revelações dissimuladas











leio assim um livro aos pedaços
vejo sim o fim sem o começo
abro no meio o terço que deixou assim
persigo a personagem moça
olho a velha que ainda não nasceu

a abertura vem bem além
depois do desfecho sem receio
escuto o segredo bem revelado
que de longe enxerga a trama

não faz sentido o enredo
que o texto trouxe para mim
são revelações parte do todo
dissimuladas capítulo a capítulo