quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Somos espelho, vendo o leito secar

As represas secas formam a parte visível do colapso moral e ético que vivemos, uma metáfora dolorosa das nossas opções desastrosas.

Deitados em berço esplêndido, acreditamos que o malfeito justificaria os resultados esperados – pequenas gotas retiradas do oceano de oportunidades.

Um delito aqui, outro ali, a esperteza institucionalizada e os meus interesses antes dos interesses coletivos nos colocaram nadando no raso da educação, saúde, segurança e desenvolvimento.

Enquanto isso, sempre acreditamos que a chuva viria para lavar a nossa alma. Ela não veio. Somos uma nação pobre de espírito, dividida, sem líderes. Tenho fome de ética, sede de cidadania. E teremos que fazer uma opção que o ambiente nos impõe, não mais aquela que poderia ser planejada. Somos todos culpados, eu e você, vendo o leito secar. Somos espelho.


NA MORTE DOS RIOS
João Cabral de Melo Neto

Desde que no Alto Sertão um rio seca,
a vegetação em volta, embora unhas,
embora sabres, intratável e agressiva,
faz alto à beira daquele leito tumba.
Faz alto à agressão nata: jamais ocupa
o rio de ossos areia, de areia múmia.