As represas secas formam a parte visível do colapso
moral e ético que vivemos, uma metáfora dolorosa das nossas opções desastrosas.
Deitados em berço esplêndido, acreditamos que o malfeito justificaria
os resultados esperados – pequenas gotas retiradas do oceano de oportunidades.
Um delito
aqui, outro ali, a esperteza institucionalizada e os meus interesses antes dos
interesses coletivos nos colocaram nadando no raso da educação, saúde, segurança e
desenvolvimento.
Enquanto isso, sempre acreditamos que a chuva viria para lavar
a nossa alma. Ela não veio. Somos uma nação pobre de espírito, dividida, sem líderes. Tenho fome de ética, sede de cidadania. E teremos
que fazer uma opção que o ambiente nos impõe, não mais aquela que poderia ser
planejada. Somos todos culpados, eu e você, vendo o leito secar. Somos espelho.
NA MORTE DOS RIOS
João Cabral de Melo
Neto
Desde que no Alto Sertão
um rio seca,
a vegetação em volta,
embora unhas,
embora sabres, intratável
e agressiva,
faz alto à beira daquele
leito tumba.
Faz alto à agressão
nata: jamais ocupa
o rio de ossos areia,
de areia múmia.