quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"Uma visão de mundo aberta, libertária e responsável"

Em meados da década de 80, as pessoas lotavam as ruas pedindo por eleições diretas e a volta da democracia. A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada e Tancredo Neves acaba sendo eleito de forma indireta. A esperança de um período democrático não se perdeu com a morte do novo presidente civil, no começo de 1985.

Na onda de liberdade e sensação de reconstrução da nação, um grupo de jovens estudantes do Ensino Médio (na época, Colégio) de uma tradicional escola particular de Santo André começou a discutir a possibilidade de criar um Centro Cívico Estudantil (CCE).

Uma doce lembrança, sem dúvida, da qual fiz parte.

De forma até surpreendente, mais de 40% dos alunos de todos os períodos votaram em duas chapas que concorreram à diretoria do recém criado CCE.  De manhã, 62% dos estudantes participaram, um número bastante significativo para a primeira iniciativa como aquela na escola.

A chapa Grêmio Singular foi eleita com 66,8% dos votos e colocou na direção 10 alunos de várias salas e períodos diferentes. Estive envolvido diretamente na formatação e publicação do boletim informativo “CHUP Chama”, cujo título e conteúdo tinham um caráter evidentemente provocativo.

Os textos convidavam os colegas a “mostrar as opiniões e posições” em tempos de censura e ditadura. As duas únicas edições publicadas em outubro e dezembro de 1985 foram viabilizadas com anúncios, uma outra iniciativa nova para aqueles jovens de 15 a 17 anos. A edição tinha um belo tratamento visual, diagramada profissionalmente, e contou com as ilustrações do talentoso Osvaldo Murakami.

Embora críticos com a própria instituição, o Grêmio soube envolver a direção da escola que apoiou a evolução das ações. “O Brasil passa por transformações que envolvem todas as camadas e segmentos da sociedade”, destacava em artigo na capa da publicação o professor Egidio Blumetti.

“Vivemos um momento muito importante da nossa história, momento este almejado por todos e durante muito tempo”, analisou. “Parabéns aos alunos do Centro Cívico Singular que, polarizando os interesses do corpo discente, com certeza, saberão levar adiante um trabalho sério, que atenda às aspirações de todos aqueles envolvidos no processo educacional, tornando-o mais produtivo, forjando assim o indivíduo como ser humano e cidadão consciente de sua responsabilidade com a comunidade”.

Nosso maior presente, recebemos após a publicação da primeira edição. Foi deixado na secretaria da escola, endereçada a nós, um papel dobrado com a mensagem do saudoso professor Alexandre Takara, publicada na capa da segunda edição e que, na minha opinião, resumiu tudo que representava a iniciativa daqueles alunos:

“Meus cumprimentos aos alunos do Singular pela iniciativa de fundar o CCE – Centro Cívico Estudantil – e de lançar o jornal CHUP Chama. Estas iniciativas revelam a sintonia dos jovens com o espírito da época – a renovação através do questionamento. A crítica deve ser a marca registrada de todos cidadãos conscientes.
 
Cumprimentos à direção do Singular por desenvolver nos alunos esta postura crítica. Mede-se o sucesso do empreendimento não apenas pelo número de alunos matriculados, mas também e, sobretudo, pela visão de mundo aberta, libertária e responsável que os alunos adquirem e desenvolvem sob a batuta dos mestres. É difícil dirigir uma escola assim, mas o sucesso pedagógico passa necessariamente por aí.”

A maioria dos alunos envolvidos estava concluindo o Ensino Médio. Formaram-se, daqueles que ainda tenho contato, jornalistas, advogados, professores e psicólogos. A iniciativa não foi mais para frente com esse grupo, mas marcou a conduta deles para sempre, não tenho dúvida.

Depois de 30 anos e olhando aquelas oito páginas que registraram o momento da escola e do país, percebo a ousadia e atualidade da ação. Fico feliz por ter feito parte daquilo tudo. A experiência definiu minha personalidade e contribuiu muito na construção da minha carreira.

CCE Singular – 1985
Diretoria:
Carlos M. Assato (3C6)
Cecília Alarsa (1C3)
Eduardo Ritschel (3C3)
Eduardo Tadeu de Souza Assis (3C3)
Glaucia F. Pereira (3C4)
Hitoshi Tsukamoto (1C25)
Marcelino Francisco de Oliveira (2C5)
Marcelo Amorim Menezes (2C5)
Marco José Maida (3C3)
Renato de Oliveira (3C6)