terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sombra


a sombra que cobre meu corpo
é cíclica
o destino que faz sombra sobre meu corpo
é inevitável
o tempo que cobre o sol
não vejo
a história que não me pertence
persigo
o que está escrito antes de mim
é sombra
o que sobra sobre o papel
é poesia

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Aniversário de São Paulo (2) - Lobato e o Belenzinho

"Muitas vezes, acompanhados pelo Raul e o Artur Ramos, que logo começaram a aparecer em companhia do Ricardo, saíamos do Minarete à meia noite. Para alguma farra? Nunca. Para, do alto do Belenzinho, perto duma fábrica de vidro, vermos os efeitos do luar sobre o rio Tietê. Sem qualquer resolução pré-concebida, nada conversávamos sobre amores e nada sabíamos das pequeninas aventuras uns dos outros."

“O Largo do Rosário, assim chamado porque ficava ali a igreja do Rosário, traz hoje o nome de Praça Antonio Prado. São Paulo tinha naquele tempo uns 400 mil habitantes. O triângulo, formado pelas ruas 15 de novembro, Direita e São Bento, era a sala de visitas da cidade, e o Largo do Rosário, ponto de confluência da rua 15 com a de São Bento, constituía a capital do Triângulo. “Fazer o Triângulo”: expressão das mais comesinhas. Depois do jantar, toda gente ia fazer o Triângulo, e lá todo mundo encontrava todo mundo. O ponto de parada das rodinhas era o Largo do Rosário – as rodinhas literárias, as esportivas, as elegantes. O primeiro de nós que chegava, parava – era infalível.”


"Depois de reunidos, íamos para o Café Guarani, no começo da rua 15, e lá ficávamos até tarde, a bebericar “laranjinhas” (100 réis o cálice). No Guarani tínhamos a ‘nossa mesa’, a primeira da entrada, à direita."

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Aniversário de São Paulo (1) - Anita e a Barra Funda

"Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade[...]Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da educada estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."

Anita Malfatti.

'tudo se me evapora'

O Livro do Desassosego, escrito pelo semi-heterônimo de Fernando Pessoa, Bernardo Soares, início do capítulo 'A ficcção de mim mesmo':


"Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.

Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem um estranho; desreconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio.

É frequente eu encontrar coisas escritas por mim quando ainda muito jovem - trechos dos dezessete anos, trechos dos vinte anos. E alguns têm um poder de expressão que não me lembro de poder ter tido nessa altura da vida. Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produto de tal qual sou agora, educado por anos e coisas. Reconheço que sou o mesmo que era. E, tendo sentido que estou hoje num progresso grande do que fui, pergunto onde está o progresso o progresso se então era o mesmo que hoje sou.

Há nisto um mistério que me desvirtua e me oprime.

Ainda há dias sofri uma impressão espantosa com um breve escrito do meu passado. Lembro-me perfeitamente de que o meu escrúpulo, pelo menso relativo, pela linguagem data de há poucos anos. Encontrei numa gaveta um escrito meu, muito mais antigo, em que esse mesmo escrúpulo estava fortemente acentuado. Não me compreendi no passado positivamente. Como avancei para o que já era? E tudo se me confunde num labirinto onde, comigo, me extravio de mim.

Devaneio com o pensamento, e estou certo que isto que escrevo, já o escrevi. Recordo. E pergunto ao que em mim presume do ser se não haverá no platonismo das sensações outra anamnese mais inclinada, outra recordação de uma vida anterior que seja apenas desta vida...

Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?"

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Estrutura


o dormente sobre a base de papel
repousa descrito impresso em cimento

meu pensamento é como viga
da menina com olhos de janela

os trapézios e andaimes
percorrem o corrimão insólito

imóveis, as colunas invertebradas
fazem riscos de giz na parede

as redomas e cúpulas
do sol se escondem depois da esquina

a cerca viva nasce
da despedida de portão